
Acordos Comerciais Globais: A Nova Geopolítica Econômica que Está Remodelando os Mercados
O cenário econômico global está passando por transformações significativas impulsionadas por uma onda de acordos comerciais estratégicos entre nações. Nos últimos meses, temos testemunhado movimentos diplomáticos e negociações que estão redefinindo as relações comerciais internacionais, com impactos diretos nos fluxos de investimento, políticas tarifárias e na configuração das cadeias de suprimentos globais. Este artigo analisa em profundidade os principais acordos comerciais recentes e seu potencial efeito nos mercados financeiros.
Data de referência: 27/10/2025 – O humor dos mercados globais tem sido sustentado principalmente pela perspectiva de avanço nas negociações comerciais entre Estados Unidos e China. A reabertura do diálogo entre Lula e Trump para revisão de tarifas contribui para o apetite por risco, enquanto o esperado corte de juros pelo Federal Reserve reforça um ambiente favorável ao câmbio e à renda variável.
O Macropacote Japonês: US$ 550 Bilhões em Investimentos nos EUA
Um dos desenvolvimentos mais significativos no cenário de acordos comerciais internacionais é o compromisso do Japão em investir US$ 550 bilhões em projetos nos Estados Unidos. Esse entendimento comercial, anunciado em julho, inclui a redução de tarifas sobre importações de automóveis japoneses e outros produtos, criando uma relação comercial mais favorável entre as duas nações.
De acordo com o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, esse pacote de investimentos se concentrará em áreas como energia e oleodutos, consideradas fundamentais para a segurança nacional e “praticamente não apresentam riscos”. Em entrevista ao Nikkei, Lutnick revelou que de 10 a 12 empresas japonesas envolvidas em áreas como fornecimento de energia e construção naval estão se preparando para explorar oportunidades de investimento nos EUA.
As empresas interessadas em participar incluem gigantes como SoftBank Group, Mitsubishi Electric e Hitachi, de acordo com a lista de possíveis projetos. A lista, que abrange áreas como energia, infraestrutura de IA e minerais essenciais, pode representar cerca de US$ 400 bilhões em investimentos.
O Japão informou que seu pacote de investimentos incluirá capital, empréstimos e garantias de empréstimos de agências estatais. Projetos específicos incluem a Westinghouse, que planeja construir reatores de água pressurizada e pequenos reatores modulares totalizando até US$ 100 bilhões, com empresas japonesas como Mitsubishi Heavy Industries, Toshiba e IHI potencialmente envolvidas.
Além disso, a GE Vernova poderia construir pequenos reatores modulares e fornecer equipamentos de energia com o envolvimento de empresas japonesas. O SoftBank, cujo fundador e presidente-executivo Masayoshi Son se encontrou com Trump, está interessado em um projeto de US$ 25 bilhões para desenvolver infraestrutura de energia em larga escala.
Implicações Estratégicas do Acordo EUA-Japão
Este acordo comercial entre EUA e Japão vai além de simples números e percentuais tarifários. Representa uma consolidação da parceria estratégica entre duas das maiores economias do mundo em um momento de reconfiguração das alianças geopolíticas globais. A decisão de manter tarifas de 15% sobre semicondutores e produtos farmacêuticos fabricados no Japão estabelece um equilíbrio que beneficia ambos os lados.
Para o Japão, garante acesso privilegiado ao mercado americano com tarifas reduzidas, enquanto para os EUA, assegura investimentos maciços em infraestrutura crítica e a criação de empregos. Esse tipo de acordo comercial bilateral parece estar se tornando o modelo preferido na atual configuração do comércio global, em contraste com os acordos comerciais multilaterais que caracterizaram as décadas anteriores.
Coreia do Sul: Redução Tarifária e Fundo de Investimentos Conjunto
Paralelamente ao acordo com o Japão, os Estados Unidos também fecharam um importante acordo comercial com a Coreia do Sul que reduziu as tarifas de 25% para 15% sobre as importações sul-coreanas. O anúncio foi feito pelo presidente Donald Trump em sua rede social Truth Social, destacando que o pacto evita taxas mais punitivas anunciadas anteriormente contra Seul.
Como parte do acordo, a Coreia do Sul criará um fundo de investimentos conjunto com os Estados Unidos de US$ 350 bilhões, dos quais US$ 150 bilhões seriam destinados a uma parceria na construção naval. Em contrapartida, Trump afirmou que a Coreia do Sul investiria US$ 350 bilhões em projetos americanos selecionados por ele e compraria US$ 100 bilhões em gás natural liquefeito e outros produtos energéticos.
O presidente sul-coreano, Lee Jae Myung, classificou o acordo como “o primeiro grande desafio comercial” desde que seu governo assumiu o poder em junho. “Por meio deste acordo, o governo eliminou a incerteza em torno das condições de exportação e garantiu que as tarifas americanas sobre nossas exportações sejam menores ou iguais às impostas aos nossos principais concorrentes comerciais”, declarou Lee.
É significativo notar que a alíquota de 15% é equivalente às taxas determinadas pelos acordos comerciais entre Estados Unidos e o Japão e a União Europeia, sugerindo uma padronização na abordagem comercial americana. Washington vai reduzir de 25% para 15% as tarifas sobre automóveis fabricados na Coreia do Sul, enquanto as alíquotas sobre chips de computador e produtos farmacêuticos são equivalentes às de outros países.
Pressão Competitiva e Ajustes Estratégicos
A pressão sobre a Coreia do Sul vinha aumentando desde que o Japão fechou um acordo para reduzir as tarifas dos Estados Unidos para 15% no início deste mês. Esse fenômeno demonstra como os acordos comerciais entre nações podem criar efeito dominó, forçando outros países a buscarem condições similares para manter sua competitividade no mercado global.
Em meio a esforços de última hora por parte de autoridades do governo para chegar a um acordo tarifário, a sul-coreana Samsung Electronics fechou um acordo de US$ 16,5 bilhões para a compra de chips pela Tesla. A fabricante sul-coreana de baterias LG Energy Solution também assinou um acordo de US$ 4,3 bilhões para fornecer à Tesla baterias para sistemas de armazenamento de energia, mostrando como as negociações comerciais entre governos frequentemente são acompanhadas por acordos empresariais estratégicos.
UE e Indonésia: Um Acordo Estratégico Contra o Domínio Chinês?
Enquanto os EUA fortalecem seus acordos comerciais na Ásia, a União Europeia também avança em sua própria estratégia comercial com a assinatura de um Acordo de Parceria Econômica Global (CEPA) com a Indonésia em 23 de setembro de 2025. Este acordo cria uma área de livre comércio abrangente com mais de 700 milhões de consumidores e traz reduções tarifárias significativas.
A UE eliminará os impostos de importação sobre 98,5% dos produtos europeus exportados para a Indonésia, resultando em uma economia anual de cerca de € 600 milhões para os exportadores da UE. Particularmente significativa é a abolição gradual das tarifas automotivas indonésias, que antes eram de 50% e devem ser eliminadas gradualmente ao longo dos próximos cinco anos.

O Níquel Indonésio e a Estratégia de Matérias-Primas da UE
Um aspecto fundamental deste acordo comercial é o acesso às matérias-primas críticas, especialmente o níquel. A Indonésia detém as maiores reservas de níquel do mundo, uma matéria-prima essencial para a produção de baterias de carros elétricos e fundamental para as tecnologias limpas e a transição energética da Europa.
Cerca de um terço das reservas globais de níquel estão atualmente localizadas na Indonésia, particularmente na ilha de Sulawesi. O país lidera a produção mundial de níquel, com uma participação de mercado global estimada em cerca de 60%, que pode chegar a 75%. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, enfatizou que o acordo proporciona à UE “um fornecimento estável e previsível de matérias-primas essenciais para as indústrias de tecnologia limpa e siderúrgica da Europa”.
O contexto geopolítico é inegável: a UE busca reduzir sua dependência da China fornecimento de matérias-primas críticas. Em março de 2024, a UE adotou a Lei das Matérias-Primas Críticas (CRMA), que estabelece que até 2030, não deverá depender mais de 65% de qualquer país terceiro para o fornecimento de matérias-primas estratégicas.
Desafios na Política de Exportação Indonésia
A Indonésia segue uma política estratégica de refino de matérias-primas internamente, o que gerou tensões consideráveis com parceiros comerciais. Em 2020, o governo de Jacarta impôs uma proibição rigorosa à exportação de minério de níquel não processado para forçar o desenvolvimento de uma indústria de processamento no país.
Essa política foi um grande sucesso do ponto de vista da Indonésia. Uma quantia de bilhões de dólares americanos, na casa dos dois dígitos, foi incorporada à cadeia de valor do níquel. Investidores chineses, em particular, construíram inúmeras fundições de níquel e siderúrgicas perto das áreas de mineração em Sulawesi. Como resultado, a Indonésia emergiu do nada para se tornar um dos maiores exportadores mundiais de aço inoxidável.
No entanto, a UE respondeu à proibição de exportação com ações judiciais. Em 2022, a UE venceu um processo na Organização Mundial do Comércio (OMC), que declarou a proibição de exportação ilegal. Apesar disso, a Indonésia interpôs um recurso, criando um impasse que o novo acordo comercial busca superar .
A Reconfiguração das Cadeias de Suprimentos Globais
Estes acordos comerciais bilaterais e regionais refletem uma tendência mais ampla de reconfiguração das cadeias de suprimentos globais. A pandemia, as tensões geopolíticas e a busca por maior resiliência estão levando países e empresas a reconsiderarem sua dependência de fornecedores únicos ou concentrados geographicamente.
De acordo com análise acadêmica recente, “a diversificação produtiva e o desenvolvimento industrial são aspectos centrais nos acordos comerciais firmados por países em desenvolvimento, sendo fundamentais para a ampliação da competitividade e a inserção nas cadeias globais de valor” No entanto, a implementação efetiva desses tratados encontra obstáculos institucionais e econômicos, como a ausência de capacidade técnica, a burocracia excessiva e a necessidade de conformidade com padrões regulatórios.
A dependência dos setores tradicionais de exportação e a baixa incorporação de tecnologia no parque industrial limitam os benefícios da liberalização comercial, exigindo estratégias governamentais externas ao fortalecimento produtivo. A modernização das infraestruturas logísticas, o incentivo à inovação e a capacitação da mão de obra são elementos essenciais para que os países signatários possam competir de forma equitativa no mercado internacional.
O Caso Brasileiro no Contexto dos Acordos Comerciais
Para o Brasil, estes desenvolvimentos representam tanto desafios quanto oportunidades. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), as exportações brasileiras somaram US$339,7 bilhões em 2023, enquanto as importações totalizaram US$271,1 bilhões, resultando em um superávit comercial de US$68,6 bilhões. No entanto, persiste a concentração das exportações em commodities agrícolas e minerais, o que impõe vulnerabilidades à economia nacional diante das flutuações dos preços internacionais.
A adoção de políticas comerciais voltadas à diversificação da pauta exportadora e à ampliação do valor agregado das exportações representa um imperativo estratégico para a inserção mais robusta do Brasil no comércio internacional. A articulação entre setores públicos e privados na formulação de estratégias de fomento à competitividade e à inovação tecnológica revela-se fundamental para a superação dos desafios fiscais pela globalização econômica.
Aspectos Setoriais dos Novos Acordos Comerciais
Energia e Infraestrutura
Os acordos comerciais recentes dão atenção especial aos setores de energia e infraestrutura. O pacote de investimentos japonês de US$ 550 bilhões nos EUA concentra-se em áreas como energia e oleodutos, consideradas fundamentais para a segurança nacional. Da mesma forma, a cooperação EUA-Coreia do Sul inclui compras de gás natural liquefeito e outros produtos energéticos no valor de US$ 100 bilhões.
No caso do acordo UE-Indonésia, a ênfase está no fornecimento de matérias-primas críticas para tecnologias de energia limpa, especialmente baterias para veículos elétricos. Esses desenvolvimentos mostram como a segurança energética e a transição para fontes renováveis estão se tornando elementos centrais da diplomacia comercial contemporânea.
Tecnologia e Semicondutores
Outro setor estratégico nos acordos comerciais atuais é o de tecnologia, particularmente semicondutores. Tanto o acordo EUA-Japão quanto o EUA-Coreia do Sul mantêm tarifas de 15% sobre semicondutores, refletindo a importância dessa indústria para a segurança nacional e a competitividade econômica.
Além disso, o acordo entre Samsung e Tesla no valor de US$ 16,5 bilhões para fornecimento de chips ilustra como as negociações comerciais entre governos criam o ambiente para parcerias empresariais estratégicas em setores tecnológicos sensíveis.
Agricultura e Bens de Consumo
Os acordos comerciais também abrangem setores tradicionais como agricultura e bens de consumo. O acordo UE-Indonésia elimina tarifas sobre uma ampla gama de produtos agrícolas, com a Indonésia concordando em eliminar tarifas sobre laticínios, carne, queijo, chocolate e produtos de panificação.
Da mesma forma, o acordo EUA-Coreia do Sul envolve a importação de produtos americanos – incluindo carros, caminhões e produtos agrícolas – sem taxas. No entanto, é significativo notar que os mercados de arroz e carne bovina sul-coreanos não estariam abertos, demonstrando como mesmo em acordos comerciais abrangentes, setores sensíveis muitas vezes recebem proteções especiais.
Implicações para os Mercados Financeiros
Estes acordos comerciais têm implicações significativas para os mercados financeiros globais. A redução de incertezas comerciais tende a beneficiar os mercados de ações, especialmente empresas com exposição internacional. Setores específicos como tecnologia, energia e infraestrutura podem experimentar valorização devido aos investimentos direcionados previstos nos acordos.
Além disso, a estabilização das relações comerciais entre grandes economias pode reduzir a volatilidade nos mercados de câmbio, criando um ambiente mais previsível para investimentos internacionais. No entanto, especialistas alertam que a proliferação de acordos comerciais bilaterais pode criar um sistema comercial fragmentado, com diferentes regras e padrões para diferentes países, aumentando a complexidade para empresas multinacionais.
De acordo com análise acadêmica, “a articulação entre políticas industriais e comerciais torna-se necessária para mitigar impactos adversos, garantindo que a liberalização econômica não resulte em assimetrias produtivas ou desindustrialização”. Esta observação é particularmente relevante para economias em desenvolvimento que buscam aproveitar os benefícios dos acordos comerciais sem comprometer seu desenvolvimento industrial interno.
Perspectivas Futuras para os Acordos Comerciais Globais
O cenário atual sugere que a tendência de acordos comerciais bilaterais e regionais deve continuar, possivelmente em detrimento de negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). A complexidade das cadeias de valor globais e a necessidade de respostas ágeis a desafios geopolíticos favorecem abordagens mais focalizadas e setoriais.
Além disso, questões como sustentabilidade ambiental, padrões trabalhistas e regulamentação digital devem se tornar componentes cada vez mais importantes dos acordos comerciais futuros. O acordo UE-Indonésia, por exemplo, inclui disposições sobre sustentabilidade na produção de óleo de palma, refletindo esta tendência.
Para empresas e investidores, a compreensão desta rede complexa de acordos comerciais torna-se essencial para identificar oportunidades e riscos em diferentes mercados e setores. A capacidade de antecipar mudanças no ambiente comercial pode representar uma vantagem competitiva significativa no cenário global atual.
Conclusão
Os acordos comerciais analisados – entre EUA e Japão, EUA e Coreia do Sul, e UE e Indonésia – representam uma reconfiguração significativa das relações econômicas internacionais. Caracterizados por investimentos maciços, reduções tarifárias seletivas e focos estratégicos em setores como energia, tecnologia e matérias-primas críticas, estes acordos refletem uma nova abordagem da diplomacia comercial no contexto geopolítico atual.
Para os mercados financeiros, estes desenvolvimentos criam um ambiente misto: por um lado, reduzem incertezas e abrem novas oportunidades de investimento; por outro, introduzem complexidades adicionais em um sistema comercial já fragmentado. A capacidade de navegar neste cenário em evolução será crucial para investidores, empresas e formuladores de políticas que buscam aproveitar os benefícios da abertura comercial enquanto gerenciam seus riscos associados.
À medida que novos acordos comerciais continuam a ser negociados – incluindo possíveis desenvolvimentos nas relações EUA-China e no acordo Mercosul-UE – a compreensão dessas dinâmicas torna-se cada vez mais essencial para qualquer participante nos mercados globais.
Este resumo não é recomendação de investimento. Consulte seu Advisor.
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